Na quinta-feira, MC Tha causava um pequeno rebuliço no Abrigô, centro cultural de ar descolado em Goiânia, que tinha dezenas de pessoas barradas por superlotação.
No dia seguinte, já dentro da programação principal do festival Bananada e diante de cerca de sete mil pessoas, roubava a cena durante o show do paraense Jaloo , seu ex-colega de apartamento.
Sábado, de volta à periferia de São Paulo, ela se despia da funkeira e era Thais da Silva, 26 anos, prestando atendimento mediúnico no terreiro de umbanda que frequenta há três anos.
MC Tha lançou seu primeiro álbum, “Rito de passá”, há apenas dois meses. Ao unir funk e umbanda, pista e fé, tem lotado casas tradicionais de São Paulo, como o Sesc Pompeia, o Museu da Imagem e do Som e a Casa Natura Musical. Também está se tornando figura disputada por festivais como o Coquetel Molotov (PE), MECAInhotim (MG) e o próprio Bananada.
“No terreiro ninguém diz que não posso estar ali porque na véspera estava fazendo show, dançando, mostrando minha bunda”MC THACantora
— Quando chego ao terreiro sábado, ninguém olha pra mim e aponta que não posso estar ali porque na noite passada estava na rua fazendo show, dançando, mostrando minha bunda, usando roupa transparente.
Muito pelo contrário. Sempre fui muito acolhida dentro da corrente — afirma MC Tha, lembrando que redes sociaisvoltadas à umbanda e ao candomblé ajudaram a divulgar seus clipes e disco. — São religiões que acolhem todo mundo: preto, branco, mulher, trans, gay, lésbica. Todo mundo tem espaço lá dentro. Com o funk, foi a mesma coisa.
O batidão, é bem verdade, veio antes da religião na vida da cantora. Ela já tinha um trabalho dentro da cena do funk produzido e criado na periferia paulistana:
— Quando entrei no terreiro, já estava no processo de entender quem eu queria ser como MC Tha. Já não me identificava tanto com o que estava sendo produzido na periferia.
E também não queria ser como Anitta ou Ludmilla, fazer um funk comercial. Com meu desenvolvimento espiritual, isso naturalmente passou a aparecer na minha música.
É doido, porque o funk ganhou cara brasileira com os tambores de terreiro que vinham das favelas, mas a umbanda e o candomblé são muito mal vistos na periferia. O Deus da periferia é um Deus evangélico.
MC Tha em show no Festival Bananada, em Goiânia Foto: Ariel Martini / Divulgação
“Já não me identificava tanto com o que estava sendo produzido na periferia. E também não queria ser como Anitta ou Ludmilla, fazer um funk comercial. Com meu desenvolvimento espiritual, isso naturalmente passou a aparecer na minha música”MC THACantora
Hoje, MC Tha está repaginada com o lançamento de singles como “Pra você”, “Bonde da pantera” e “Valente”, que remetem a um funk menos engessado e bebem de outras fontes da música brasileira, como Caetano, Gal, Bethânia e Clara Nunes.
Talvez por isso tenha sido abraçada por um novo público, principalmente o LGBTQ+, que aprecia o funk, mas não se vê representado ou confortável nos bailes tradicionais.
— Eu gosto de circular por esse público mais indie, acho importante ser meio que uma porta para o funk. O menino que está fazendo som na periferia dificilmente vai entender o que eu faço, provavelmente não vai dizer que é funk.
Mas minha proposta é mostrar que tem um outro caminho, por mais que seja mais longo. O pessoal da periferia tem muita urgência de dar certo, porque ninguém tem muito tempo para ficar vivendo de sonho — explica Tha, que cursou Jornalismo e há cerca de dois anos largou o emprego na Fábrica de Culturas, projeto social e cultural do estado de São Paulo, para viver, agora, do sonho.
Fonte: O Globo
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