Nathalia Rodrigues mora em Nova Iguaçu. Reprodução.
De um lado, a vida de glamour ostentando viagens internacionais, roupas de marca, aulas de maquiagem e retratos ressaltando o status social.
Do outro, uma rotina em comunidades e um orçamento escasso para sobreviver. Por não se sentirem representadas pelo luxo, jovens blogueiras passaram a produzir conteúdo em seus canais no YouTube direcionados a pessoas da classe C.
Com dicas de lifestyle de pobre, essas influenciadoras digitais têm conquistado milhares de visualizações e algumas já até passaram a ganhar a vida como youtuber.
Uma delas é Nathaly Dias, de 26 anos, dona do canal Blogueira de Baixa Renda, que mostra o seu dia a dia na favela onde mora.
Filha de nordestinos, nascida e criada em comunidades da Zona Oeste do Rio, a universitária já tem mais de cem mil inscritos no seu canal, onde publica vídeos mostrando a rotina no Morro do Banco, Itanhangá, Zona Oeste do Rio.
A jovem já publicou um tour pela comunidade, onde vive com o marido, Guilherme Brainer, de 30 anos, e dá dicas variadas, todas bem “pé no chão”: de como ser minimalista, economizar na decoração da casa, nas compras do supermercado e até de como fazer uma mudança.
Não era uma vida de dificuldades que sua mãe imaginava para os futuros filhos, quando veio do Nordeste.
A empregada doméstica Ana Dias, fugiu há 28 anos de casa, em Solânea, a 130km de João Pessoa, na Paraíba, aos 16 anos, após se apaixonar por um homem que disse ser fazendeiro rico em São Paulo.
Ana largou a família para viver a paixão, mas quando chegou na Terra da Garoa deparou-se realidade: tinha sido enganada por um homem pobre e que não a amava.
— Como ela tinha uma irmã no Rio, fugiu de São Paulo e veio morar em Rio das Pedras, onde conheceu meu pai. Teve dois filhos, mas os dois se separaram.
Moramos num barraco na Cidade de Deus e depois voltamos para Rio da Pedras. Vivemos também numa ocupação em Guaratiba, até que, quando eu tinha 9 anos, viemos para o Morro do Banco — lembra Nathaly.
Mas a jovem ainda alçaria muitos voos. A blogueira hoje cursa Administração na Barra, onde conseguiu uma bolsa integral. Com o crescimento do canal, o marido passou a trabalhar com a mulher.
Além de ganhar com as visualizações de seus vídeos, Nathaly tem fechado parcerias. Numa delas, foi contratada por uma empresa aérea para produzir vídeos mostrando que é possível viajar sendo pobre. Assim, a jovem, que andou pela primeira vez de avião quando foi para São Paulo tratar de negócios do canal, embarcou para a Argentina.
— Passei quatro dias em Buenos Aires com R$ 300. Consegui gastar pouco, porque tive ajuda. O hotel pago pela companhia aérea tinha direito a café da manhã. Eu era sempre a última a sair, comia bastante para poder fazer apenas uma refeição no fim do dia — ensinou Nathaly.
Dicas financeiras
Quem também não se sentia representada pelas blogueiras mais abastadas e resolveu dar voz à sua classe social foi Nath Finanças, a estudante de Administração Nathalia Rodrigues de Oliveira, de 21 anos, que dá dicas de economia financeira para pobres. Economizar ou usar bem o pouco dinheiro que têm é uma preocupação que une as blogueiras de baixa renda, mas também é o que tem sido revertido em audiência.
Em seu canal recém lançado e que tem pouco mais de 10 mil inscritos, Nath dá dicas de como consultar o saldo do FGTS, como tirar passaporte e até de como ganhar um dinheirinho extra sem sair de casa vendendo livros e eletrodomésticos usados.
Nathalia Rodrigues, que mora no bairro da Posse, em Nova Iguaçu, disse que a ideia de criar o canal surgiu quando ela estudou Matemática Financeira na faculdade.
— Sempre vejo falarem de como investir dinheiro, que você pode investir R$ 1 mil e vai ganhar tanto. Só que isso nunca foi a minha realidade nem das pessoas que conheço. Eu não via ninguém falando diretamente para pessoas como eu, que vivem com salário mínimo, andam de metrô, de trem.
![](https://extra.globo.com/noticias/rio/24014686-987-64e/w448/xana-helena-pisponelly-bordao-cala-a-boca-marilene.jpeg-.jpg.pagespeed.ic.hm2OJxAa9y.jpg)
Ana Helena leva seguidores às gargalhadas Foto: Antonio Scorza
Para fazer rir
Entre as blogueiras de baixa renda também há espaço para o humor. Ana Helena Nunes Ernesto, de 26 anos, conhecida nas redes sociais como Ana Helena Pisponelly, criou sobrenome artístico e inventa histórias falsas para fazer rir. Há dois anos, publicou um vídeo em que discutia com a mãe, que detesta aparecer nas imagens. No bate-boca, ela, brincando, grita: “Marilene, não se mete”. A frase virou bordão.
Moradora da Nova Holanda, na Maré, Ana arranca gargalhadas ao mentir, com naturalidade, que mora na Ilha do Governador:
— Adoro o Jardim Guanabara! Acho um lugar muito próspero — diverte-se.
Pisponelly tem também um namorado imaginário. Em alguns vídeos, “ele” acaricia as tranças da jovem. Na verdade, é a mão da blogueira.
Enquanto ela faz os internautas rirem, o YouTube vai repassando dinheiro para a sua conta.
É a chamada monetização, pagamento pelas visualizações do canal, numa proporção de 1 dólar a cada mil visualizações, o chamado Custo por Mil (CPM).
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